As estrelas hoje estão desvalorizadas, bem como os clássicos heróis míticos.
Judy surgiu em minha vida em um dos tantos blogs de música pirata que frequentava quando adolescente. Aquele forte laranja da capa do álbum “Judy at Carnegie Hall” era curioso e resolvi tentar. Suas canções tornaram-se minhas companheiras nos dias solitários de escola que se sucediam. Logo me surpreendi assistindo a diversos filmes que protagonizara cantando e dançando. O hiper romantismo, inocência e graciosidade daquelas produções das décadas de 1930 e 1940 foram meu refúgio escapista dentro de um lar e mente caóticos. A precisão da técnica, talento, disciplina dramática e seu domínio de palco realizando passos de dança e gestos me encantaram. Assim que sua biografia, chegou descobri o real sentido da alteridade em sua radicalidade não camuflada. As minhas sensações eram atravessadas por um co-sentir que as deslocavam e deportavam até Judy. As complexidades de sua trajetória continuamente cercadas com um humor doentio faziam, por um instante, meus dramas diminuírem.
As estrelas hoje estão desvalorizadas, bem como os clássicos heróis míticos. Sobretudo no Brasil — herdada, por muito, de nossos fundadores positivistas — a cultura do apagamento impera, o que faz com que sejamos indiferentes ao pensarmos coletivamente, e isso influencia, inclusive, a nossa sensibilidade estética. O que parece fundamental é nos deslocarmos e fazermos o exercício de pensar nas dezenas de “Judies” que surgiram após Garland — indivíduos que serviram à grande indústria do show business com exaustão e morreram no completo ostracismo. Quanto desse sofrimento muitas vezes foi colocado com uma certa beleza, quase que com fórmulas de sobrevivência, mas também de resignação! Segundo Judy bem dizia: “Eu nasci para trabalhar e tentar entreter”. Hoje em dia a fama é classificada como um mero produto de uma boa campanha publicitária. Nossa era do “parecer” mina a humanidade que ainda nos resta. É muito agradável quando lembramos que as estrelas existem, com sua magia inexplicável que mais do que justifica a fama que desfrutam.
Nesta série, reinterpreto a Judy de 1961, fotografada por Milton Greene, para celebrar seu desaniversário de 100 anos. Vou na contramão do apagamento da memória coletiva, quando através das retículas a desloco para telas tão vivas quanto sua história. Em algumas versões, integro manchetes restauradas letra por letra de jornais de junho de 1969, mês em que foi-se para sempre. Sensorialmente, estabeleço cores fortes e contrastantes e efeitos vertiginosos com manchas gráficas feitas em serigrafia, sobrepostas fantasmagoricamente e infinitamente, quase com um desejo de conseguir encontrá-la em sua figura carnal e verdadeira. Convirjo a uma conexão que se estabelece a partir de seu olhar melancólico com a “Glória e a Amargura”, cruzando letras de jornais carregadas da banalidade do pensar o outro, para promover uma aproximação à estética do belo em um mundo onde a iconoclastia e a pasteurização imperam.
LEONARDO MACIEL
Quando Judy Garland começou a chamar atenção como atriz e cantora, em meados dos anos 1930, o mundo adorava um soprano agudo, de preferência coloratura e especialista naquelas ginásticas vocais típicas do canto lírico. Tanto que a grande estrela dos musicais da Metro da época era Jeannette MacDonald, a rainha das operetas. Por via das dúvidas, o poderoso chefão Louis B. Mayer treinava para o estrelato duas jovens atrizes-cantoras: uma, Deanna Durbin, que se encaixava à perfeição ao perfil de Jeannette e uma outra, uma aposta de Mayer, diferente, gorduchinha, canela fina, com “voz de peito”, “beltando” — como se diz hoje em dia: Frances Gumm. Melhor dizendo: Judy Garland. Aos 16 anos, ela estrelou “O Mágico de Oz”. Tornou-se, instantaneamente, um ícone. Deanna who?
Aos poucos, Judy e as agruras da sua vida foram conferindo uma crispação nervosa a seu canto, uma respiração ofegante, uma dramaticidade espantosa e uma teatralidade arrebatadora — sem jamais perder de vista o significado das letras. Nesse sentido, foi única. Além — e acima — do arco-íris. Várias tentaram imitá-la. Em vão. Mas todas sonham em alcançar o status lendário que ela atingiu. Desde Diana Ross quando faz “O Mágico Inesquecível” (uma versão com elenco negro de “O Mágico de Oz”) à Barbra Streisand e Lady Gaga — quando refilmam “Nasce Uma Estrela”, um dos maiores sucessos de Judy. Em junho, ela completaria 100 de vida. Está mais viva do que nunca. Nos CDs, DVDs, no YouTube. Pode estar morta, mas seu legado não foi esquecido. Seja nos registros históricos de seus concertos, seja quando é recriada, com enorme finesse, por Luciana Braga no espetáculo “Judy: O Arco-Íris É Aqui”. Judy forever.
FLÁVIO MARINHO
SOBRE O ARTISTA
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SOBRE O ARTISTA ✶
Leonardo Maciel (Maringá, 1992) é Internacionalista formado pela PUC-SP e co-fundador do Vórtice Cultural, onde idealiza projetos voltados à educação e desenvolvimento profissional de artistas. A poética que permeia suas criações está na representação de episódios históricos, movimentos culturais e ídolos que impulsionam seu campo de pesquisa. Possibilita-nos examinar tragédias humanas de maneira suave e colorida, trazendo para o universo da arte experimentações que se fundem a técnicas industriais e analógicas.











Textos
Flávio Marinho
Leonardo Maciel
Produção
Paulo Cibella
Assistência de Produção
Caín Werneck
Projeto Gráfico
Sidney Secolo
Fotografia
EstudioEmObra
Leonardo Maciel
Paulo Cibella
Agradecimentos
Luciana Braga
Renata Barros