MANIFESTO DE UM CURADOR PORNÓGRAFO

Queremos celebrar o erotismo e descobrir talentos, trazendo visibilidade aos artistas e criando conexões com colecionadores. Dar a merecida atenção a um segmento incrivelmente rico da arte, mas ainda muito carente de fomento. Despertar tesão, legitimar o marginal, exaltar o degenerado, simplesmente admirando arte de qualidade é a nossa chama de resistência.

A arte erótica deveria ser apreciada e consumida como as demais artes: pela sua poética, estética e plasticidade. Como uma das mais belas manifestações do indivíduo, em sua plenitude do sexo e do amor. Porém, em nossas terras provincianas e coloniais, o erotismo ainda choca uma elite​ ignorante, careta, tradicional e dissimulado.

Neste contexto, falar de erotismo recai em um ato político, inapropriadamente. Deveria ser apenas arte, e ponto final. Mas pensar que vivemos diversos outros problemas estruturais torna irrelevantes nossas considerações. Não podemos esquecer que ainda sofremos censura e falta de liberdade de expressão, mesmo vivendo em uma democracia.

Muito nos orgulha hoje estarmos à frente de um Festival que tem como intuito fomentar o sensual, o erótico e o pornográfico dentro das artes visuais contemporâneas. Em nosso primeiro chamamento público, receber mais de 200 inscritos é sinal que — sim! — existem muitos artistas que precisam ser descobertos e apresentados ao mundo.

A semântica pouco deveria importar e sim o conteúdo, pois nem sempre o explícito excita, e muitas vezes apenas o mistério leva ao gozo. O medo de alguns artistas de pronunciar palavras como erótico e pornográfico advém de um misto de opressão e medo de não serem aceitos. Isto precisa mudar, e todos terão de nos engolir: galerias, mercado e instituições. Paremos de hipocrisia e nos entreguemos ao nosso tesão, paixão e gozo! O sexo e as perversões fazem parte de nossos instintos mais selvagens, e muitas vezes o recalque leva ao sofrimento.

Gozemos! Sem medo de ser feliz!

Temos muito trabalho pela frente e este Festival é apenas o começo de uma vontade antiga de mudar o mundo. Muitos novos projetos já estão sendo discutidos, e queremos cada vez mais garantir diversidade de corpos, etnias e orientações sexuais. Isto não envolve apenas selecionar artistas e trabalhos, mas também fomentar a produção artística, ainda polarizada por padrões exigidos pela sociedade.

Nesta segunda edição, contamos com artistas que foram perseguidos e censurados em outras exposições, que retornam com novos trabalhos recebendo o devido espaço que merecem, sem preconceitos ou tabus, resistindo e desafiando fronteiras. Outros apresentam um trabalho totalmente visceral em obras não explícitas, retratadas sem filtro e de forma analógica. Já o bom humor e a biscoitagem flertam com técnicas clássicas da pintura a óleo, e a escultura toma um formato pop e inovador. O preciosismo na execução de aquarelas contemporâneas realistas se integra ao universo fantástico das artes digitais. Todas as descobertas e contemplações terminam por nos levar a uma multiplicidade de técnicas e materiais como cerâmica, madeira e tapeçaria, provando que o universo erótico orbita de forma plena e pulsante a criatividade de todos nós.

PAULO CIBELLA